Outubro de 1987 a Outubro de 1988 -
O Maior Crash da
Bolsa Nacional
O golpe fatal vem em 20 de Outubro, não com a frase de Cavaco, como às vezes se diz, mas
com o crash em Nova Iorque (o Dow Jones cai de 2700 para 1700 em poucos dias, descendo 500
pontos só no dia 19 de Outubro). Cheguei à Bolsa no dia 20, sabendo o que acontecera ao
Dow Jones, e percebendo perfeitamente as consequências. Quando entrei, a sessão ainda
não tinha começado. As pessoas comentavam nervosamente o evento da véspera. Diziam que
"cá era diferente", não ia acontecer nenhuma grande descida, mas o nervosismo
traía-as. Os rostos crispados fizeram-me compreender que estava tudo perdido antes de a
sessão abrir. Nesse dia, houve também uma ameaça de bomba no edifício da Bolsa, o que
deve ser interpretado como uma tentativa deliberada de instalar o pânico (não foi
preciso, ele já estava instalado) por parte de algum grupo de investidores interessados
em tomar posições compradoras (que doidos!).
As cotações começam a descer 5% por dia (o máximo permitido; essa regra absurda não
ajudou o mercado em nada, nem impediu o crash minimamente, apenas reduziu a liquidez), e
mantêm-se assim durante 3 semanas, acumulando uma quebra de cerca de 50%. A partir daí,
a Bolsa não se recomporá até meados de 1989. Ainda haverá um ensaio de recuperação
em Dezembro (o 2º ombro de uma formação cabeça e ombros, perfeitamente visível em
1987) mas sem continuidade. É nessa altura que os espertos deslocam o seu dinheiro
maciçamente para o imobiliário, que já subira fortemente até aí, mas continuará
alguns anos mais em alta. As obrigações também foram, nesse momento, uma excelente
aplicação pois, de 1987 a 1990, renderam à volta de 15% ao ano, enquanto as acções
sofriam grandes perdas. Veja aqui o gráfico do crash.
O ano 1988 é passado só a descer, diminuindo o índice cerca de 75% em valor desde o
ponto mais alto de 1987. Note as sucessivas rampas descendentes com rebounds pelo meio,
cada vez mais espaçadas (11-11-87, 23-12-87, 25-2-88 e 17-5-88), que tanto se assemelham
às ocorridas durante o colapso do Nasdaq em 2000. O máximo do pessimismo atinge-se em 19
de Outubro, precisamente um ano depois do crash. Uma tendência baixista persistente nos
dois meses anteriores provoca um acentuar da descida durante uns dias, seguida de uma alta
súbita. Essa formação é a exaustão de vendas, os últimos pessimistas vendem por
estarem fartos de, após um ano, verem tudo a cair. Este é um padrão bem descrito por
André Kostolany em Bolsa - A Grande Aventura. Ele salienta que, nessa fase em que o
pessimismo atinge o clímax, "as cotações caem como as folhas no Outono" (é
curioso Kostolany use essa metáfora e que tantos crashs, mini-crashs e exaustões de
vendas se verifiquem, de facto, em Outubro...). Este movimento é interpretado por alguns
especialistas como um sinal de recuperação e começa um movimento de ligeira alta até
ao fim do ano.
1988 é um ano em que o mercado se desenvolve. Aparecem ainda mais empresas na Bolsa,
totalizando umas 200. As mais interessantes admitidas em 1988 e 1989: Sumolis, Cin,
Cerexport, Tertir, Locapor, Corticeira, Lusomundo, ITI, Cinca, Hotelagos, Tâmega, BCI,
Citibank, C.P.Cobre, Interlog, Soponata, Modelo, Unicer, Soporcel, Cires, BTA, Jerónimo
Martins, BCI, BIC, Lameirinho. As primeiras privatizações ocorrem só em 1989: Unicer e
BTA.
A Bolsa passa a ser objecto de muitas páginas em publicações periódicas e de programas
de televisão, talvez ainda mais do que em 1987. Novos jornais e revistas de informação
afirmam-se. A modernização da banca e dos seguros prossegue, procurando os bancos
públicos imitar o sucesso do recém-nascido BCP, do BPI e da CISF. É também um período
de reformulação dos valores da própria sociedade. Os Portugueses esquecem Che Guevara,
Allende, Lenine, o rumo ao socialismo, o marxismo, e passam a admirar Belmiro de Azevedo,
Américo Amorim, Bill Gates, Mário Conde, George Soros, descobrindo, ao mesmo tempo, as
virtudes do leasing, factoring, private-banking, franchising, benchmarking, downsizing e
outros ings. Os jovens licenciados esquecem a guitarra, aparam a barba e passam a dedicar
mais atenção ao cartão de crédito e a andar imberbes e de gravata.
É notável que os lucros das empresas aumentam fortemente de 1987 a 1989. Os lucros de
1988 são, em média, 30% superiores aos de 1987, como anuncia na altura o Semanário
Económico. Os dividendos aumentam, mas as cotações continuam sem subir devido à falta
de confiança.
(Anterior: Janeiro a Outubro de 1987 - A Louca
Cavalgada)
(Seguinte: 1989 - Renasce a Esperança)
|