1983 a 1986 - Ascensão Sustentada de uma Mini-Bolsa
O mercado de acções português conheceu um grande desenvolvimento nos últimos anos
graças às privatizações e à introdução do sistema de negociação em contínuo.
Nesta página procuro dar uma ideia do que foi a história da Bolsa de Lisboa nas últimas
décadas. Esta descrição está, necessariamente, resumida e representa apenas o meu
limitado ponto de vista como observador e interveniente.
Nos anos imediatamente anteriores a 1973 assistiu-se a uma forte alta das acções,
acompanhada de aumento do volume de negócios, premiando uma industrialização bem
sucedida, nos anos 60 e 70, pelo antigo regime. Em 1973, o choque petrolífero que varreu
a economia mundial causa uma importante queda que ficará histórica. Na sequência da
revolução de Abril de 1974 a Bolsa fechou e as principais empresas do país foram
nacionalizadas, sem que os accionistas nacionais recebessem uma justa indemnização (ao
contrário dos estrangeiros). Em 1977, em pleno PREC, a Bolsa reabre timidamente e
assiste-se, logo nos primeiros dias a uma queda vertiginosa do índice BTA (o mais famoso
na época), seguida de alguma recuperação. Entre 1977 e 1983 o índice sobe
consistentemente à medida que se dissipam os receios de novas revoluções e a situação
económica melhora.
De 1983 a 1986 o número de empresas cotadas é de cerca de 20, os capitais sociais muito
pequenos, da ordem das centenas ou mesmo dezenas de milhares de contos, e o volume de
negócios na Bolsa irrisório, pelos padrões actuais. As empresas mais interessantes
neste período são Marconi, Caima, Inapa, CISF, Efacec, Vidago, Torres Novas, Capital
Plus (na altura Mabor), F.Ramada, Lisnave, Grão-Pará e Estoril-Sol. Mas as cotações
começam a subir em 1983 e subirão fortemente até 1986. Só para dar uma ideia, em 1983
as cotações da Caima rondavam os 7 contos e sobem paulatinamente até perto dos 60 em
finais de 1986. Em finais de 1986, a maioria dos títulos mais líquidos está cerca de 10
vezes acima dos valores do início de 1983. Esta formidável performance começa a atrair
as atenções, e é então que muita gente entra na Bolsa (eu entrei em Julho de 1986 com
30 contos!). A grande subida entre 1983 e 1986 tem sido, muitas vezes, ignorada nas
análises, eclipsada pelo que se passou no ano seguinte, 1987, o ano de todas as loucuras.
No entanto ela foi fundamental e muito acentuada: 42% em 1983, 14% em 1984, 150% em 1985 e
69% em 1986! (dados do índice Global do software Finbolsa).
Essa performance está expressa no gráfico que se segue. Veja como o volume dispara em
1986 (em 1983-84 o volume negociado médio era de pouco mais de 1000 contos por dia!).
A subida desde 1983 a 1986 estava bem fundamentada, teve como base vários factores muito
favoráveis: a descida das taxas de juro (desde 1985) dos 28% para cerca de 18%, o
contínuo aumento dos lucros das empresas, o simples acompanhamento pelas acções da
forte inflacção imobiliária, já que a maioria das empresas detinha um significativo
património imobiliário, a descida do preço do petróleo, a entrada de Portugal na CEE e
a vitória de Cavaco Silva em 1985 (não que os governos deste tenham sido mais
favoráveis à Bolsa e ao capitalismo do que os de António Guterres, mas essa semelhança
era pura e simplesmente ignorada em 1983-85... Nessa fase, os tempos da revolução e do
PREC ainda estavam nas memórias de todos e, para a maioria das pessoas, PS e PSD pareciam
bem diferentes...). Por tudo isto, cotações e volumes aumentam, e cada vez mais gente
ouve falar da Bolsa, até aí esquecida pela geração pós 25 de Abril. O Expresso
publica uma página, escrita por Acácio Gomes, sobre a Bolsa (é, nesse tempo,
praticamente o único jornal a fazê-lo) que começa a atrair alguma curiosidade.
Dá bem uma ideia de como a política, naquele tempo, contava, o facto de o índice BTA (o
índice de referência até aparecer o BVL 30 em 1990) ter subido 40% em Janeiro de 1986,
após a vitória de Freitas do Amaral sobre Mário Soares na primeira volta das eleições
presidenciais (desceria parcialmente após a segunda volta, com a vitória do segundo).
Veja esse movimento no gráfico seguinte.
Em finais de 1986, um grande número de empresas faz subscrições públicas e entra na
Bolsa. Algumas emissões tornam-se famosas como as da Marconi, BPI, Crisal, Sofinloc e
Inapa. Assim, o número de empresas cotadas aumenta para cerca de 40. Os volumes aumentam
e uma onda de euforia atinge a Bolsa, a partir de Outubro. Em Novembro e Dezembro há
algumas correcções devido a um acelerar de subscrições públicas que secavam capitais
no mercado.
Antes de fins de 1986, pode-se dizer que só os visionários investiam na Bolsa. Alguns
investidores de longo prazo muito bem sucedidos compraram Marconi a 200$ em 1982 e
venderam-nas a mais de 20 contos na alta de 1987, conseguindo multiplicar o capital mais
de 200 vezes. Performance ainda melhor conseguiu quem investiu na Caima e ficou sossegado
com as acções até meados de 1987... Mas devem-se contar pelos dedos aqueles que, no
país todo, realmente o fizeram!
(Seguinte: Janeiro a Outubro de 1987 - A Louca
Cavalgada)
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