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Por que é a Análise Fundamental importante?

O que é que ajudou tanta gente a perder tanto dinheiro no crash das empresas dot.com em 2000 e 2001?

Muito tem sido escrito sobre os relativos méritos da Análise Técnica (AT) e da Análise Fundamental (AF). Este texto não toma partido por nenhum dos lados, apenas afirma que a AF é algo importante e ajuda a tomar decisões de investimento, tal como a AT. Pode-se perder muito dinheiro tanto usando a AF como usando a AT e também se pode ganhar muito usando qualquer uma delas. Nem a AT nem a AF são, à partida, receitas mágicas que garantam o sucesso. Tanto a AF como a AT se desdobram em miríades de métodos diferentes, cada um com os seus méritos e dificuldades próprias.

Uma forma naive de AF é olhar para os indicadores mais populares, como o PER - Price Earnings Ratio, ou o Dividend Yield e comprar as acções que apresentem o indicador mais favorável (PER baixo ou yield alto). Quase sempre uma decisão dessas não dá resultados especialmente bons. É necessário usar mais indicadores, inter-relacionar dados diversos da empresa, para conseguir melhores resultados. Podem conseguir-se resultados notáveis, batendo sistematicamente o mercado, utilizando princípios simples e os dados publicados pelas empresas. O mais bem sucedido investidor bolsista de sempre, Warren Buffet, enriqueceu graças ao seu bom uso da AF e, como ele nos indica, os seus métodos são simples, lógicos, racionais, e estão ao alcance de qualquer investidor. Basicamente, ele escolheu comprar acções de empresas que já tinham um historial de rentabilidade, com negócios bem identificados, de leitura simples, subavaliadas, cuja cotação não incluía um prémio por grandes crescimentos futuros incertos, e dispôs-se a deter essas acções por muito tempo.

Você não deve pensar que basta olhar para o PER de uma empresa para decidir investir. Nem que, lendo o PER ou outros indicadores, estará automaticamente habilitado a fazer um grande negócio. Mas a AF pode ajudá-lo a restringir o leque das acções que você comprará numa óptica de médio-longo prazo, ou mesmo restringir o leque de acções sobre o qual utilizará a AT para determinar momentos de entrada e de saída.

Além disso, algumas considerações fundamentais simples poderão protegê-lo de entrar em bolhas especulativas fraudulentas (que abundam nas Bolsas), destinadas ao colapso. Um bom exemplo foi o boom e crash das dot.com em 2000. Em Portugal, várias empresas estiveram associadas a esta bolha de âmbito mundial. A PTM foi lançada na Bolsa a 27 euros, subiu até aos 145 (continuando, nessa altura, a campanha de price-targets optimistas das casas de investimento) e agora está a 17. A PTM.com chegou a atingir preços acima dos 9 euros em meados do ano e está agora em torno dos 4. Estas eram acções facilmente evitáveis, não digo por um analista fundamental, mas por alguém com uma informação fundamental mínima. Neste caso bastava saber o número de acções em que se dividia o capital social destas duas empresas, calcular a sua capitalização bolsista (a cotação vezes o número de acções), tentar estimar as vendas e lucros atingíveis num prazo de 4 a 5 anos e ver se se justificavam aqueles preços.

Em Fevereiro de 2000, a capitalização da PTM era achada multiplicando os seus 80 milhões de acções pela cotação de 145 euros, obtendo-se 11600 milhões de euros ou 2320 milhões de contos. Não valia a pena considerar as vendas ou lucros actuais da PTM, já que as vendas iriam ainda crescer muito e os lucros eram negativos, o importante era tentar ver que lucro seria alcançável a prazo. Para justificar uma cotação de 2320 milhões de contos seria razoável supor lucros anuais da empresa, no futuro distante, entre os 116 e os 154 milhões de contos (esses dois valores de referência obtinham-se dividindo a capitalização por 20 e 15 respectivamente, o que fazia sentido porque é normal uma empresa ter um PER entre estes dois valores quando se encontra na fase estável, de cruzeiro, após o período de forte crescimento). Ora 116 a 154 milhões de contos de lucro é mais do que empresas gigantes como a Portugal Telecom, a EDP ou o BCP têm actualmente, e os negócios da PTM estavam longe de mostrar que se podiam aproximar, nem que remotamente, de um montante de lucros desses. A jóia da coroa da empresa era e é a TV Cabo, cujas receitas tinham sido apenas de 28 milhões de contos em 1999. Com essas receitas, a TV Cabo tinha dado prejuízo, e já tinha 770 mil famílias portuguesas como clientes. Ora 770 mil famílias, em Portugal, é já uma boa parte das famílias, já que uma família tem várias pessoas e o país tem 10 milhões de habitantes; além disso, muitas famílias pura e simplesmente são pobres, não podem assinar a TV Cabo, pelo que era fácil ver que o número de clientes da TV Cabo não podia crescer muito mais nos próximos anos. Logo, as receitas da TV Cabo poderiam talvez duplicar em 5 anos, mas não muito mais que isso e, mesmo duplicando, dificilmente gerariam 20 milhões de contos de lucro. O resto dos negócios da PTM era basicamente os portais da Internet, Sapo e Zip.net. Estes, sabia-se já na altura, tentariam viver das receitas da publicidade. Mas o investimento publicitário total na Internet foi, em 2000, de 1,5 milhões de contos, para Portugal inteiro! Deste investimento só uma parte foram receitas (não lucros) dos portais principais como o Sapo. Desta parte, o Sapo não ficou com mais de uns 30 a 40%. Logo, as receitas do Sapo, foram em 2000, na melhor das hipóteses, umas escassas centenas de milhares de contos. Que lucro poderiam dar receitas tão magras? O mais certo era darem, em vez de lucro, um monstruoso prejuízo, dados os fortes investimentos em conteúdos e tecnologia necessários. Tudo isto era evidente em Fevereiro de 2000, para alguém munido de informações fundamentais básicas.

Assim, essas considerações simples podiam ter ajudado qualquer investidor a não entrar nesta especulação irracional. O autor destas linhas tentou fazer uma estimativa dos lucros operacionais atingíveis em 5 anos pelos vários ramos de negócios da PTM. Mesmo usando as projecções mais favoráveis para as receitas de e-commerce e publicidade em Portugal e Brasil (a Forrester Research foi a campeã destas projecções mirabolantes, foi nela que se inspiraram os promotores de IPOs de dot.coms por esse mundo fora, na elaboração dos prospectos das suas IPOs...), a PTM parecia nunca poder gerar mais do que 26 milhões de contos de lucro anual, o que, aplicando um PER de 20, daria um valor de 520 milhões de contos para a empresa, ou 32 euros por acção. O autor destas linhas publicou os resultados desta análise em foruns de discussão na Net e chegou a ser insultado! O colapso das cotações da PTM foi ainda pior do que essa previsão, estando agora a acção em torno dos 17 euros. Entre Fevereiro de 2000 e Março de 2001, a situação operacional da PTM só piorou, devido aos negócios ruinosos que fez: comprou o portal Zip.net no Brasil, que nada vale, por uma exorbitância (60 milhões de contos), fez uma OPA à Lusomundo por 86 euros por acção (quando as acções Lusomundo valiam, em termos fundamentais, não mais de 20 a 25 euros, e tinham estado vários anos entre os 8 e os 10 euros), no que poderá ser facilmente interpretado como um favor ao coronel Luís Silva (este, posteriormente, utilizou o dinheiro desta venda para subscrever acções PT a 9.4 euros), e cedeu parte do capital na OPT com a PTM.com, num negócio que foi favorável aos accionistas desta, à custa da PTM.

Outro exemplo é o da própria PTM.com. Quando esta acção estava entre os 8 e os 9 euros, muitas firmas recomendavam a compra, mas já era possível estimar o valor da PTM.com (que tem a parte Internet da PTM) em pouco mais de 170 milhões de contos (uma avaliação dessas partia dos mesmos pressupostos optimistas em relação à Net acima descritos). Ora isto, dividido pelos 338 milhões de acções PTM.com dava um valor próximo de 2.5 euros por acção. O autor destas linhas também escreveu essa avaliação nos foruns. O mais espantoso é que, nessa altura (meados de 2000), a maioria dos pequenos investidores achava a cotação da PTM.com barata, por estar a 8 euros, um valor absoluto baixo comparado com a PTM e outras blue-chips. Então o número de acções não conta, para avaliar o valor de uma acção? Desde quando? Muitos investidores, nesta bolha especulativa de 2000 investiram sem a mínima atenção às capitalizações bolsistas e números de acções!

Porém, com expectativas mais realistas sobre a evolução dos negócios da PTM.com, com o downgrade mundial sofrido por este tipo de empresas e com o gorar das expectativas de crescimento do e-commerce e publicidade online em 2000, é possível que a PTM.com valha ainda menos, uns 1.5 euros por acção. Sendo assim, o que aguentou as cotações em torno dos 4 euros foi tão somente a OPT lançada pela PTM, que "congelou" a cotação PTM.com numa certa paridade de troca com a PTM. A OPT (lançada num dia de queda acentuada do Nasdaq, que prometia arrastar a PTM.com ainda muito mais para baixo) veio mesmo a tempo de evitar um descontentamento do público ainda maior e o descrédito de certas instituições... Perdas nestes papéis podiam ser evitadas desde o início com um pensamento fundamental mínimo.

As críticas aqui deixadas não são, obviamente, dirigidas aos negócios da Nova Economia, nem das empresas PTM, PTM.com, Yahoo ou Amazon em especial. Nova Economia sim, cotações de acções na estratosfera não. O problema era a incrível cotação dessas empresas. Uma comparação boa é um balão cheio de ar com um anel de ouro dentro. A maior parte do volume do balão é ar, nada vale. O problema é quando tentam vender-nos o balão como se estivesse todo cheio de ouro. Gabam-nos a qualidade desse ouro os quilates, etc, e mencionam a dimensão do balão, um litro... Mas, subrepticiamente, ocultam o facto de o litro ser de ar e só ter uns gramas de ouro (apesar de este ser realmente de boa qualidade). A maioria dos pequenos investidores em Portugal dá muita atenção aos bons aspectos qualitativos (os quilates do ouro) e não liga a números... O resultado é comprarem um balão de ar pelo preço de 10 Kg de ouro. A diluição do capital da PTM.com em 338 milhões de acções pouco antes da entrada na Bolsa equivale ao inchar do balão... Mais atenção aos números e ao dinheiro é precisa. Façam-se contas!